A minha experiência pessoal está na génese da criação e história da associação EVITA - Cancro Hereditário. Em 2008, trabalhava como enfermeira em ginecologia e obstetrícia, em Lisboa, e encontrei uma grávida de 27 anos de idade que tinha feito uma mastectomia devido a um cancro de mama triplo negativo. Enquanto a acompanhava na sala de recuperação, perguntava-me: "O que aconteceu? O que correu mal?".
Já era enfermeira há mais de 20 anos quando, pela primeira vez, ouvi falar de mutações genéticas que predispõem mulheres e, de alguma forma, os homens, a um risco aumentado de cancro de mama. Da conversa com a mulher de 27 anos percebi que duas das suas tias tinham morrido de cancro. Reconheci-me na sua história: duas das minhas tias paternas e a minha avó tinham morrido de cancro de mama ou de ovário. Foi então que decidi marcar uma consulta com um geneticista. Após a marcação, ambos concordámos que deveria fazer um teste genético. Três meses depois, os resultados vieram positivos. Eu era portadora da mutação BRCA1, a qual tem impacto nas hipóteses de uma pessoa desenvolver cancro de mama.
Ser diagnosticada de forma atempada com esta mutação genética permitiu-me ser proativa. Sei que o cancro é uma viagem muito longa. Testemunhei o segundo diagnóstico da minha mãe 30 anos após o seu primeiro diagnóstico de cancro de mama. Por isso, decidi fazer uma cirurgia preventiva para evitar o cancro da mama. E, conhecer aquela mulher com cancro da mama em 2008,salvou-me a vida.
Sinto-me extremamente grata por ter descoberto a mutação antes de o cancro se ter desenvolvido. Foi por isso que, em 2011, decidi criar a associação EVITA - Cancro Hereditário, como plataforma para apoiar as famílias, sensibilizar e defender o rastreio e a prevenção genética..
Temos em curso uma campanha de sensibilização para o cancro de mama masculino em Portugal. Após o lançamento de um vídeo
Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para prevenir cancros hereditários.
Espero que os decisores políticos e os pagadores acordem e tomem medidas. Os cancros hereditários matam jovens adultos e pais jovens, o que, sem dúvida, tem um impacto económico. Por outro lado, os testes genéticos estão mais acessíveis. Temos de acelerar. Há que tomar medidas políticas para aumentar a prevenção.
Não se consegue imaginar o número de doentes que tiveram uma indicação clara para realização de testes genéticos, mas que não foram encaminhados para um geneticista. Se identificarmos apenas os portadores quando desenvolvem cancro, significa que não conseguimos prevenir a doença, embora, atualmente, os testes genéticos sejam feitos de forma relativamente rápida.
Na minha opinião, a sustentabilidade dos sistemas de saúde depende da prevenção de doenças e gastos desnecessários. Devemos analisar de que forma o dinheiro é investido. Ainda nos concentramos mais no tratamento das pessoas do que na prevenção da doença, quando deveria ser feito o contrário. Em Portugal, apenas 1% do orçamento dos cuidados de saúde é gasto na prevenção. Se não houver aumento do orçamento atribuído à prevenção, haverá mais casos a tratar. Deveria ser dada mais atenção à prevenção de doenças.
Os dados são também importantes. Se não recolhermos dados, não aumentamos conhecimento. Dado que o registo nacional em Portugal não armazena informação genética por ser informação sensível, todos os cancros no registo são "esporádicos". A EVITA - Cancro Hereditário e vários parceiros iniciaram um trabalho no desenvolvimento de um registo liderado por doentes para colmatar esta lacuna. Esta plataforma será uma mudança de paradigma, porque conhecimento é poder.