Qual o contributo da informática na monitorização personalizada e proativa da insuficiência cardíaca?

Javier Echenique

  • Novas formas na gestão da insuficiência cardíaca têm sido estudadas, enquanto se tenta reduzir as hospitalizações.

  • A realização frequente de testes de NT-proBNP tem o potencial de proporcionar aos médicos uma melhor compreensão do estado do doente e pode favorecer uma intervenção mais precoce (McDonagh et al, 2023; Mebazaa et al, 2022).

  • A recolha passiva de dados através de dispositivos de utilização junto ao corpo pode criar grandes padrões de dados, que podem ser analisados por algoritmos, fornecendo assim informações cruciais para os médicos.

Os avanços tecnológicos estão a remodelar os cuidados prestados aos doentes, oferecendo novas possibilidades para uma gestão proativa das doenças. Inovações de ponta, como os dispositivos portáteis e as análises de dados, prometem revolucionar a forma como as doenças crónicas são monitorizadas e tratadas. Ao tirar partido destas ferramentas, os prestadores de cuidados de saúde podem passar de intervenções reativas, para estratégias proativas, fornecendo alertas precoces e cuidados personalizados.

A integração da inteligência artificial (IA) e da aprendizagem automática (machine learning - ML) melhora a precisão, permitindo análises preditivas para identificar potenciais riscos para a saúde1. À medida que a tecnologia evolui, o seu papel nos cuidados prestados aos doentes vai além dos diagnósticos, promovendo uma gestão holística das doenças que privilegia a prevenção, a intervenção precoce e a melhoria da qualidade de vida.

A Healthcare Transformers teve o prazer de se sentar com Javier Echenique, CEO e cofundador da GPx, para saber mais sobre os cuidados transformadores prestados aos doentes e a gestão proativa e remota das doenças.

HT: Pode descrever-nos a necessidade não satisfeita que estão a tentar resolver em termos de gestão remota das doenças?

Javier Echenique: As doenças crónicas, que geralmente exigem uma monitorização regular para uma gestão eficaz,2 são a principal causa de morte e incapacidade a nível mundial3,4 O nosso objetivo é ajudar as pessoas a viverem as suas vidas da melhor forma possível, apesar das doenças que as afetam. A diabetes é um excelente exemplo de uma doença que foi revolucionada por diagnósticos e terapias avançadas. Queremos basear-nos neste modelo de monitorização contínua da glicose na diabetes e aplicá-lo a outras doenças.

Decidimos concentrar-nos inicialmente na insuficiência cardíaca porque estes doentes têm frequentemente um acesso limitado a opções de monitorização remota. Embora tenham consultas de acompanhamento regulares com os seus médicos, nem sempre é possível evitar a hospitalização.

Para dar aos doentes uma oportunidade significativamente melhor, queremos fornecer aos médicos e aos doentes sinais de alerta precoce de que a sua condição está a piorar. Deste modo, as pessoas têm mais tempo para ajustarem a medicação e estabilizarem o seu estado para que possam permanecer fora do hospital. Há aspetos económicos também a ter em consideração. . A nível mundial, a insuficiência cardíaca (IC) é a principal causa de hospitalização em doentes com idade superior a 65 anos, o que aumenta os encargos económicos para os sistemas de saúde.5,6 Por exemplo, nos EUA, as hospitalizações demonstraram ser a maior fatia dos custos médicos diretos da IC, variando entre 49% e 73% do custo total.7 Por conseguinte, se conseguirmos melhorar a gestão da doença, podemos potencialmente reduzir os encargos económicos desta condição. Revolucionar a gestão das doenças através da tecnologia.

HT: No vosso website, referem que os médicos podem monitorizar remotamente os biomarcadores sanguíneos dos doentes sem agulhas nem implantes. Pode desenvolver um pouco mais este aspeto e explicar ao nosso público em que é que isso se traduz?

Javier Echenique: Tal como a medição da glicose é a nossa referência para compreender o estado da diabetes de um doente, a medição do NT-proBNP de um doente tornou-se a referência para compreender o estado da insuficiência cardíaca de uma pessoa, conforme sustentado pela recomendação de Classe 1 das diretrizes de insuficiência cardíaca. 8–10

Na situação atual, os testes domésticos de NT-proBNP não estão disponíveis e os testes nos locais de prestação de cuidados têm de ser realizados por um profissional de saúde qualificado. Não existe atualmente uma versão de auto-teste para doentes. 11

Os dados do nosso inquérito demonstraram que os médicos querem realizar este tipo de testes semanalmente. 12 Ainda assim, neste momento, devido a todas estas barreiras, todos os dados recolhidos indicam que este teste é realizado, em média, apenas duas vezes por ano por doente.12 É evidente que isto significa que existe um enorme fosso entre o que é preciso e o que é atualmente possível.

Para ultrapassar este problema, estudámos a forma de obter os dados que os médicos necessitam sem terem de fazer análises ao sangue regularmente. Acreditamos que a resposta reside em algoritmos que correlacionam informações que podem ser recolhidas através de um smartwatch para mostrar, clinicamente, desvios no NT-proBNP. Esta abordagem permitiria aos médicos detetar rapidamente se existem alterações clinicamente significativas no estado de uma pessoa, o que lhes permitiria intervir mais rapidamente.

HT: No que diz respeito à fase pós-aguda da insuficiência cardíaca, como é que a análise ao sangue “sem sangue” ajudará a facilitar a alta precoce e a evitar que os doentes sejam novamente internados na janela crítica de três semanas a seis meses após um evento agudo?

Javier Echenique: Os algoritmos têm o potencial de ajudar os médicos a identificar alterações no doente e a fornecer indicadores importantes sobre o seu estado após a alta. A partir desta informação, os médicos podem ser capazes de fazer ajustes mais atempados aos planos de tratamento dos doentes, de forma a refletir quaisquer alterações no seu estado.

HT: Por que motivo é tão importante monitorizar continuamente os biomarcadores sanguíneos nessa janela crítica e também além dela, e de que forma poderá ajudar doentes e médicos a gerir a doença de forma mais proativa?

Javier Echenique: O sistema pode alertar o médico para marcar uma consulta com o doente antes que a sua saúde se deteriore mais. Nesse momento, podem ser realizados todos os procedimentos necessários, tais como a realização do exame físico, análises ao sangue, com avaliação do biomarcador NT-proBNP, o ajuste da medicação, e assim por diante. Desta forma, com antecedência, o estado do doente pode ser estabilizado. 13

HT: Na sua opinião, como é que a utilização da informática, juntamente com os testes de diagnóstico baseados em amostras sanguíneas, facilitará a monitorização contínua dos doentes com insuficiência cardíaca?

Javier Echenique: Passei mais de metade da minha carreira a trabalhar em dispositivos para a insuficiência cardíaca e algo que temos vindo a descobrir muito rapidamente é que a quantidade de informações que um smartwatch pode recolher de alguém, de forma passiva, enquanto dorme, enquanto trabalha, enquanto come é enorme. E não se trata de ter dados a nível individual, mas sim destes grandes padrões que são criados minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, semana a semana, que os algoritmos podem recolher e analisar para que possamos compreender a verdadeira condição de determinada pessoa.

E sejamos claros, a IA fez deste, um mundo completamente diferente. Podemos tentar ser muito artísticos e utilizar os nossos conhecimentos sobre os algoritmos dos dispositivos médicos, mas existe realmente um limite para o que se pode fazer com todas estas informações.

Quando aplicamos a ML a tudo isto, abre-se um novo mundo. Recolhemos volumes de dados a cada minuto, analisando o ritmo cardíaco, os níveis de atividade e os padrões de sono, os computadores podem extrair muito conhecimento destes dados. Se fizermos um teste todos os meses, a cada três meses ou a cada seis meses, vamos perder toneladas de informações sobre o que aconteceu no intervalo entre esses dois momentos. Acabamos, por isso, com uma imagem incompleta do estado de saúde do doente.

HT: Qual é o papel dos humanos no desenvolvimento de algoritmos? E qual é a importância dos data scientists no desenvolvimento das análises ao sangue “sem sangue”?

Javier Echenique: Os data scientists da GPx combinam um profundo conhecimento fisiológico com a capacidade de desenvolvimento de algoritmos. Os algoritmos baseados em regras, no mundo da medicina, exigem que se tenha um bom conhecimento da fisiologia humana, do funcionamento da insuficiência cardíaca e dos mecanismos da insuficiência cardíaca.

Se fossem apenas data scientists de ML puros, poderiam simplesmente basear-se em todos os dados, processá-los e posteriormente chegar a uma conclusão . Porém, depois teríamos de perguntar: isto faz realmente sentido do ponto de vista fisiológico? Com os algoritmos baseados em regras, começamos por aplicar o conhecimento fisiológico antes de fornecer os dados. Esta é a única forma de garantir que os resultados obtidos fazem sentido do ponto de vista fisiológico. Descobrimos que a aprendizagem automática pode ser utilizada para melhorar algoritmos baseados em regras. Se tivermos um algoritmo baseado em regras de desempenho adequado e o ligarmos a um modelo de ML, juntamente com outros dados, e dissermos ao computador que sabemos isto a partir de um mundo baseado em regras, os resultados que são produzidos são extraordinários.

HT: Por último, tomou a decisão de participar do programa Startup Creasphere. O que o levou a participar neste programa ? Quais foram os fatores decisivos no processo de tomada de decisão?

Javier Echenique: A Roche tem um forte histórico de ser extremamente séria quando seleciona os seus parceiros. E isso torna-se evidente no programa Startup Creasphere, que apoia a cocriação de soluções e serviços que têm o potencial de transformar os cuidados de saúde. 14 Foi, por isso, uma escolha óbvia para a GPx, quando começámos a procurar um programa de inovação para apoiar os nossos esforços de desenvolvimento.

Temos uma equipa inteira que passou muitas horas connosco a tentar perceber a nossa tecnologia, a compreendê-la a um nível profundo e a fazer perguntas realmente difíceis. Após o ganho de confiança na nossa solução e, e numa lógica de tentar ver realmente o que faria mais sentido para o negócio, torna-se evidente o interesse para a Roche. . Estão a investir muito do seu tempo, pelo que cada momento que passamos com eles é extremamente valioso para a nossa empresa.

A GPx participou com êxito no Startup Creasphere, um acelerador líder, na área da saúde digital que se esforça por transformar os cuidados de saúde em conjunto com “startups”.

Bibliografia

  1. Ahmed et al. (2020). Database 2020, article ID baaa010. Documento disponível em https://academic.oup.com/database/article/doi/10.1093/datbase/baaa010/5809229?login=false [Acedido em novembro de 2023]

  2. Falck L. et al. (2019). JMIR Med Inform: e10879. Documento disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31127717/ [Acedido em janeiro de 2024]

  3. Organização Mundial de Saúde. (2022). Artigo disponível em https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases [Acedido em novembro de 2023

  4. Organização Pan-Americana da Saúde. Artigo disponível em https://www.paho.org/en/topics/noncommunicable-diseases#:~:text=Chronic%20noncommunicable%20diseases%20(NCDs)%20are,long%2Dterm%20treatement%20and%20, janeiro de 2024]

  5. Zehnder et al. (2022). Palliate Med 36, 1452-1468. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9749018/#:~:text=Heart%20failure%20represents%20the%20leading [Acedido em novembro de 2023]

  6. Shahim et al. (2023). Card Fail Rev 9, e11. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10398425/ [Acedido em novembro de 2023]

  7. Osenenko et al. (2022). J Manag Care spec Phar 28, 10.18553/jmcp.2022.28.2.157. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10373049 [Acedido em novembro de 2023]

  8. McDonagh et al. (2021). Eur Heart J. 21;42(36):3599-3726. Documento disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34447992/ [Acedido em janeiro de 2024]

  9. McDonagh et al. (2023). Eur Heart J. 4, 3627-3639. Documento disponível em https://academic.oup.com/eurheartj/article/44/37/3627/7246292?login-false [Acedido em janeiro de 2024]

  10. Heidenreich et al. (2022). Circulation 145: e895-e1032. Documento disponível em https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/ClR.0000000000001063 [Acedido em novembro de 2023]

  11. Shimizu and Kotani. (2020) Pract Lab Med 22, e00183. Documento disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7585141/ [Acedido em novembro de 2023]

  12. Dados de inquérito interno da GPX. Disponível mediante solicitação.

  13. Abdin et al. (2021). ESC Heart Fail 8, 4444-4453. Documento disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34655282/ [Acedido em novembro de 2023]

  14. Startup Creasphere. Página web disponível em https://startupcreasphere.com/ [Acedido em novembro de 2023]

* Conforme referido no artigo “Quick Takes”: Mebazaa et al. (2022) Lancet 400, 1938-1952. Documento disponível em https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36356631/ [acedido em janeiro de 2023].

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