Dia Nacional do Farmacêutico
“Os farmacêuticos reagiram de forma absolutamente notável aos desafios colocados pela pandemia”
O dia 26 de setembro corresponde, no calendário litúrgico romano, ao dia de São Cosme e São Damião, os santos padroeiros da profissão farmacêutica. Desde 1989, a data passou a ser também, em Portugal, o Dia Nacional do Farmacêutico.
Ana Paula Martins está no seu segundo mandato como bastonária da Ordem dos Farmacêuticos. Conversámos com a mais alta representante da classe, olhando para a relevância atual da profissão e também para todo o sistema de saúde.
“Em geral, todos os profissionais de saúde estão a ter, durante esta pandemia, uma imagem reforçada de dedicação, de competência, de interesse público. Sentimos também um reforço do que é o valor social atribuído aos farmacêuticos”.
Estiveram e estão. Desde logo nas farmácias comunitárias, que foram dos poucos espaços que se mantiveram sempre abertos, mesmo no período em que estávamos confinados. E enfrentaram todo o tipo de dificuldades, mas funcionaram como uma espécie de âncora para as pessoas. Deram informação, aconselhamento, contribuíram para tentar restabelecer um menor clima de medo. Conseguiram adaptar-se e continuar a servir as pessoas. E isso deu uma certa confiança aos cidadãos, sobretudo por verem um nível de resposta e prontidão organizado no setor farmacêutico.
Os farmacêuticos hospitalares reagiram de uma maneira absolutamente notável aos desafios que lhe foram colocados, continuando a apoiar os cerca de 20 mil doentes que necessitam das farmácias hospitalares (com necessidade de medicamentos em regime de ambulatório). Foi possível encontrar formas de fazer chegar os medicamentos mais próximo das pessoas sem necessidade de deslocação numa fase em que estávamos confinados. A Operação Luz Verde, um serviço gratuito para utentes, permitiu garantir que os doentes recebiam os seus medicamentos sem terem de ir aos hospitais, recebendo-os em casa ou na farmácia que fosse mais conveniente.
Sim, tratou-se de um processo complexo e os recursos humanos não eram em maior número, muitas vezes até eram menos, porque as equipas tinham de trabalhar em espelho. Foi criada uma bolsa de voluntários para farmacêuticos e estudantes finalistas de Ciências Farmacêuticas para dar apoio às atividades assistenciais dos profissionais que estavam na linha da frente do combate ao novo coronavírus, bem como à equipa da Linha de Apoio ao Farmacêutico.
Nos dois primeiros meses, a linha recebeu mais de sete mil chamadas. Foi essencial o apoio dos jovens farmacêuticos e dos estudantes do último ano de Ciências Farmacêuticas, que responderam em peso, o que é um bom prenúncio do futuro da profissão.
Nos laboratórios de análises clínicas, em que muitas equipas continuaram a fazer, por exemplo, domicílios no período de confinamento. Destaco também o setor da distribuição farmacêutica, que trabalhou dia e noite. E os farmacêuticos da indústria, naturalmente, que continuaram a manter a produção e a garantir a reserva estratégica nacional de medicamentos, sem reporte de falhas.
O que de mais relevante posso dizer é para continuarem a cumprir a sua missão, que são as pessoas. Continuem a aplicar todas as suas competências ao serviço das necessidades dos portugueses, necessidades que são cada vez maiores no que respeita à saúde.
A pandemia obrigou a deixar para trás muita gente que vê a sua situação de saúde agravada.
Os farmacêuticos têm que ter um compromisso renovado e redobrado de continuar a servir as pessoas, mas sem baixar o padrão de qualidade dos cuidados que prestam.
Onde quer que esteja um farmacêutico tem de estar a garantia de competência e de qualidade. Esse é o compromisso que os farmacêuticos têm com a sociedade. Não é em momentos excepcionais que baixamos a fasquia. É nesses momentos que temos de ser ainda mais exigentes connosco.
Os próprios números oficiais do Ministério da Saúde indicam isso. Houve uma acentuada quebra na atividade: em consultas, cirurgias e exames. Sabemos que todos os meses há centenas de tumores que ficaram por diagnosticar, por exemplo.
Teremos um excesso de mortalidade associado ao facto de termos concentrado os nossos esforços no combate a um vírus a que não estávamos preparados para responder. Isso verifica-se em todos os países.
O que me preocupa fortemente é estarmos a assistir a isto há vários meses e eu não ver um plano claro para a saúde. É importante haver um plano de retoma concreto para a saúde.
Todos temos amigos ou familiares a que já foram adiadas três ou quatro vezes consultas, exames complementares de diagnóstico ou cirurgias. Temos de olhar para estes doentes.
Os serviços de saúde devem ter diretrizes de como lidar com as situação, como referenciar pessoas para primeiras consultas de especialidade para diagnóstico e o que fazer no seguimento desses doentes.
Os nossos dirigentes políticos deviam aproveitar o momento para dar um novo rumo ao sistema. Mas os nossos dirigentes na área da saúde estão, como esteve o SNS, dedicados à Covid-19.
Naturalmente que o combate a esta pandemia é muito importante, mas o que vamos fazer com as outras pessoas? E em que áreas da saúde vamos apostar?
Desconheço o que está delineado. Mas era fundamental termos um programa para aproveitar os fundos comunitários na área da saúde, especificando as prioridades onde investir.
Qualquer reconfiguração do SNS tem obrigatoriamente de passar por autonomia e responsabilidade das instituições e das unidades de saúde.